O Limiar entre bem e o Mal


Fonte : https://www.deviantart.com/nanomortis/art/Behind-The-Red-Curtain-672761880


Escrito por Haniel L. Carvalho.


Muitos falam que Bem e Mal são coisas relativas, e a própria filosofia tenta explicar e definir o que são tais coisas. Entretanto, existe um arquétipo que descreve o limiar entre o Bem e o Mal, e como boas pessoas se tornam malignas. Estou falando do arquétipo do Pacto de Sangue.


Mas o que é arquétipo? De maneira bem resumida são como esteriótipos, mas ao contrário de esteriótipos, eles não foram criados socialmente, mas naturalmente. Um exemplo disso é quando falamos "mãe-natureza", por que não poderia ser "pai-natureza"? Porque não faria sentido. Existem vários arquétipos e um deles é o da Grande Mãe. Ela é o ser que dá vida a novas formas, que nutre e que seleciona, e que também pode ser cruel. Tal é a natureza, tal é a Grande Mãe.

As origens do Pacto de Sangue vêm desde os tempos remotos da humanidade, e ela foi dita em muitas (se não todas) as religiões do mundo. Quem não conhece o pacto com o diabo, por exemplo? 

Sua função é bastante simples: escolha algo que deseja, e em troca, dê o seu sangue. O sangue é dito aqui como algo mais simbólico do que a própria matéria parece significar, pois ele significa a própria essência vital ou a força erótica da vida. Em outras palavras, ela é sua alma.

A alma é dita pelo filósofo Kierkegaard como algo que precisa ser adquirido através do exercício da paciência. A alma é sua, ele diz, mas você ainda precisa adquiri-la. Este é um paradoxo que existe e é real, quase como se sua alma estivesse adormecida e você precisa "ativá-la", ou melhor dizendo, "excitá-la". A alma floresce na paciência, e por isso ela é representada no budismo com o Buda sentando em meditação numa flor de lótus. Já a paciência é definida mais como sinônimo de resistência, resiliência e força de vontade. Portanto, a paciência pode ser vista como um sacrifício pessoal para "ativar" a sua alma.

Não por acaso que a flor e a borboleta são símbolos da alma. A Deusa Psiquê é retratada como uma humana com asas de borboleta, e seu nome, em grego, significa "alma." A alma do Fera no filme da Disney é retratado como uma flor que está perdendo suas pétalas aos poucos.

Entretanto, o Pacto de Sangue pode facilmente ser deturpado contra o indivíduo. Muito embora o indivíduo possa ser gratificado a curto e médio prazo, à longo prazo ele será punido (até mesmo no cristianismo fala-se que o demônio quer a sua alma no inferno após a sua morte). Como isto acontece? Não há definição sobre como isto acontece, pois é algo que ocorre devido a ignorância do indivíduo quando ele foi incapaz de ver que estava num acordo maléfico. É algo subjetivo e individual.

Onde será que está essência do bem e do mal no Pacto de Sangue? Será que está no pacto em si, e na sua lâmina de dois gumes? Será no próprio sangue? Será no motivo do sangue ser expelido? Ou será algo ainda mais profundo no caráter humano?

Vamos aos exemplos que a arte consegue nos dar para solucionar este problema:

O Pacto de Sangue na Guerra Infinita

Fonte: https://www.artstation.com/artwork/XZZGl


 Gosto deste exemplo. Certa vez ouvi uma conversa técnica sobre escrita falando de "personagens força da natureza." Também ouvi que tais personagens não se aplicam somente a personagens malignos como o Alien (que segue seus próprios instintos) ou o Coringa (que segue sua própria loucura), mas a heróis também. Personagens força da natureza podem ser definidos como seres que não barganham seus objetivos e propósitos, assim como um tsunami não barganha onde irá devastar. Seu ímpeto é fortíssimo.

Thanos era um super-herói, e alguns podem argumentar que ele ainda é, pois está lutando pelo equilíbrio no universo. Porém, o preço que teve de pagar e o pacto que teve de assinar seria de sacrificar sua própria alma: sacrificar sua própria filha.

Ele destruiu a pureza em nome da justiça; destruiu a beleza em nome da ordem. Talvez esta seja a maneira que os heróis se tornam vilões, pois eles matam a própria alma dentro de si. Resta saber o que seria essa alma pois isto é algo subjetivo e varia de indivíduo a indivíduo.



O Pacto de Sangue em Star Wars

Fonte: https://brentwoodside.com/2012/06/22/torment/


 Anakin é seduzido pela ideia de salvar qualquer vida, justamente pelo medo de perder Padmé. Irônicamente, ele se torna tão cego pelo medo que ele acaba tentando matá-la. O Pacto de Sangue foi feito aqui em nome do medo, e este talvez seja o pacto mais comum.


O Pacto de Sangue em Code Geass

Fonte: https://americanjobcreators.com/watch-code-geass/watch-code-geass-unique-code-geass-in-newtype-magazines-pinterest-gallery/


Code Geass é um anime que conta a história de um rapaz com o poder de comandar qualquer pessoa, literalmente falando. Basta ele lhe dizer "Se mate com esta faca" que você o fará. Este seu poder se chama Geass.

Em determinado momento, após Lelouch tanto usar este poder sem escrúpulos para os seus planos, o poder se vira contra ele. Agora Lelouch não decide quando usar o poder ou não, e o Geass se torna mais uma maldição do que uma benção. Ele descobriu isso da maneira mais trágica possível, pois acabou mandando uma pessoa cometer um genocídio em massa por engano (sim, por engano. Imagine que você teria que controlar cada verbo que você solta de sua boca?) Desde então, ele precisou se isolar ainda mais e maneirar os verbos que dizia. Ele se tornou um prisioneiro de seu próprio poder.


O Pacto de Sangue em O Último Imperador 
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pu_Yi


Este é de um filme chamado O Último e Imperador e se trata de um exemplo histórico do último Imperador da China. Pu-yi, viveu preso num palácio durante toda sua infância e juventude. Não poderia sair devido às situações geopolíticas da China do lado de fora pois o governo já não obedecia mais à monarquia. Ele não foi destituído do poder e mandado embora como Don Pedro II, em vez disso ele governava apenas dentro de seu próprio palácio, continuando algo que ele chamou de "uma peça sem plateia" já que seu povo já não mais o obedecia, entretanto sua corte ainda estava lá (por motivos de corrupção.)


Acontece que Pu-yi tentou várias vezes ser Imperador da China. Começou isso dentro de seu próprio palácio, iniciando reformas e revoluções (algumas que quase custaram sua vida com a traição de sua corte). Quando fora expulso do palácio, ainda tentou tornar-se Imperador da província da Manchúria, sua terra natal, mas com ajuda do exército estrangeiro dos japoneses. Pu-yi acabou sendo preso pelo exército comunista chinês e passou alguns anos na cadeia antes de ser liberto.

Note que ele só foi liberto de fato depois que saiu da cadeia, pois antes disso, ele estava preso ao desejo de ser Imperador. Pu-yi passou bom tempo na cadeia refletindo sobre sua própria história e isso o fez se libertar do seu pacto de sangue para com o poder do Imperador. O poder tem esse estranho paradoxo de te prender em sua própria liberdade.


O Pacto de Sangue em The Elder Scrolls V Skyrim
(mas pode ser em outros jogos da série também, tá?)


Fonte: https://www.deviantart.com/wolfsecho/art/Molag-Bal-371951516


No mundo de TES (The Elder Scrolls), existem os Aedra e os Daedra, dois tipos diferentes de deuses. Os Aedra sacrificaram parte de seu poder para criar o mundo. A matéria do mundo e cada partícula dele é parte do corpo dos Aedra. Porém os Daedra não participaram da criação, e eles existem apenas nos seus reinos no Oblivion (uma outra dimensão ou camada da realidade) que não tem contato direto com Mundus.

Vale ressaltar também que alguns jogadores e até mesmo personagens dentro do jogo debatem se todos os Daedra são malignos ou apenas alguns deles. Para fins desta postagem, vamos supor que todos os Daedra são malignos.

Os Daedra têm apenas duas formas de se manifestar no mundo: um deles é sendo lichs (espíritos aprisionados em objetos), que é o método mais comum. Outra forma é do mortal entrando em contato direto com eles no Oblivion, o que permite que os Daedra consigam possuir o corpo do mortal de alguma forma, ludibriá-lo ou persuadi-lo. Ou seja, de toda forma os Daedra têm de corromper a matéria, a criação divina dos Aedra, para que possam se manifestar no mundo. Eles são como parasitas. Os Daedra corrompem a matéria e eles estão na matéria.

Toda vez que os Daedra entram em contato com os mortais em Mundus, a morte segue. Seus itens prometem o poder e seu usuário torna-se escravo do poder que lhes foi conferido, pois eles sempre pedem algo em troca. A única forma de não ser uma marionete nas mãos dos Daedra é nunca se metendo em seus assuntos em primeiro lugar.

Eu e Marvin costumamos dizer que cada um tem seu Daedra que merece. Existe o Daedra lobisomem, que confere brutalidade e poder; existe o Daedra da escravidão, que confere controle; existe também o Daedra do conhecimento, que confere conhecimento infinito. Tais ofertas parecem tentadoras, mas no final, sua alma estará presa para sempre no reino do Oblivion do Daedra que você escolheu. Ou seja, através da matéria, eles te corrompem e te mandam para o mundo espiritual maligno deles. Já os Aedra não têm esta ligação de poder com a matéria, seu poder é muito mais espiritual e contemplativo do que material.


***
 
O que tudo isso significa? Vimos que podemos sacrificar o que amamos em prol de um objetivo exterior. Vimos que podemos nos cegar pelo medo e tornar-se escravo dele. Vimos também que um poder ou talento pode muito bem se tornar uma maldição e tornar-te um prisioneiro. Em todos estes casos, entretanto, uma essência permanece: a de escravidão voluntária. Esta é a diferença entre ser o servo de algo maior e benigno, ser o senhor de si mesmo ou de querer ser o senhor do mundo.

Isto no cristianismo é dito como um desvio do caminho para Deus e a possessão direta por Satanás. No budismo isto é dito como uma das mais perigosas e malignas das ilusões (ou maya) que um ser humano pode cometer, pois o mundo pertence apenas a si mesmo e não aos humanos.

Poderás ser escravo ou da sua Alma, ou de alguma outra coisa pensando que é o senhor dela. Mau sabem tais pessoas que a coroa que lhes foi dada é de plástico e que ela te manipula.

A escravidão voluntária existe principalmente em relacionamentos, onde ele pode muito bem se tornar uma bênção, como uma corrente de amor que jamais se rompe e glorifica ambos os lados; ou pode ser uma maldição, acontecendo traumas e abusos. Em casos normais, quando o relacionamento foge dos trilhos, ele termina sem mais problemas. Porém, casos de abuso ocorrem quando um dos lados escolheu o caminho da coroa do plástico e dificilmente tenta largá-la.

Em suma, este é o limiar entre o bem e o mal:
És o servo da tua alma?
Ou tentas ser o senhor da tua alma?

Fonte: https://www.deviantart.com/maquenda/art/The-Visit-570086296

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